Recentemente a FAO, Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, anunciou que já existem um bilhão de pessoas sofrendo de desnutrição em nosso planeta. No ano passado, agravando esta situação, presenciamos um importante aumento no custo dos gêneros alimentícios, mas ao contrário de outras ocasiões em que o aumento dos preços agrícolas se deu por quebras de safra, dessa vez tal fato ocorreu em um ano de safras mundialmente abundantes. Aliás, em sete dos últimos nove anos o mundo produziu menos cereais do que consumiu e chegamos em 2007 a ficar com os estoques reguladores mundiais limitados a apenas 61 dias de consumo. Isto ocorreu pelo aumento da população mundial. Mesmo agora, com a grande crise econômica mundial, os preços agrícolas continuam perto de seus preços máximos e estima-se que as mudanças climáticas possam em curto prazo contribuir para a redução de nossas safras futuras abrindo-se a perspectiva de uma crise alimentar perene. Este é o cenário no qual o agricultor deverá atuar: um mundo cada vez mais quente, populoso e faminto.
A correlação entre a população mundial e a produção de alimentos foi abordada por Thomas Malthus já no século XVIII. Ele acreditava que a população cresceria de maneira geométrica, dobrando a cada vinte e cinco anos, enquanto a produção de alimentos aumentaria de forma aritmética, mais vagarosamente, o que acarretaria em uma limitação ao crescimento da população por falta de alimento disponível. Isso, segundo ele, acarretaria em um controle da população, fosse de forma voluntária ou de maneira involuntária, através da fome, das guerras ou das grandes epidemias. Na verdade, ele afirmava categoricamente que, de uma forma ou de outra, a população mundial forçosamente se adequaria às disponibilidades alimentares. Apesar da lógica de seu enunciado, os ganhos advindos da revolução industrial e os espetaculares aumentos de produtividade oriundos do aperfeiçoamento dos métodos de cultivo fizeram com que a “profecia malthusiana“ ficasse desprestigiada por um longo período.
Entretanto, isso não significa que o planeta tenha conseguido atender a exigência por alimentos ao redor do globo com eficiência ao longo de todo esse período. Estima-se que na década de quarenta quatro milhões de pessoas tenham morrido de fome na Índia em um episódio que ficou conhecido como a “fome de Bengala”. A solução encontrada então, e que explica a eficiência na ampliação da oferta de alimentos até o final da década de noventa, foi conseqüência do pacote tecnológico constituído essencialmente por variedades melhoradas, pesticidas químicos, fertilizantes e irrigação. Trata-se da solução que transformou o meio-oeste americano na grande região produtora de grãos do mundo. A disseminação dessa nova maneira de se praticar agricultura foi difundida durante as décadas de sessenta e setenta e ficou conhecida como a revolução verde. Produziu resultados tão extraordinários que renderam ao especialista americano em agricultura Normam Bourlaug, principal disseminador desta prática agrícola baseada na monocultura industrial, o prêmio Nobel da Paz de 1970.
Infelizmente, em algumas regiões este modelo parece ter se esgotado, pois a produtividade encontra-se estagnada desde a década de noventa. Lençóis freáticos reduzidos pela excessiva utilização da irrigação, assim como a salinização de áreas de cultivo sugerem que o modelo pode ter limitações de sustentabilidade a médio prazo. Além disso, este modelo criou ao redor do mundo uma evidente dependência dos agricultores junto aos fornecedores de fertilizantes químicos e pesticidas que invariavelmente avançaram na participação da renda da produção agropecuária: como resultado, o fenômeno do endividamento agrícola é tão comum no Brasil quanto na Índia. Muitos acreditam que a reversão deste possível esgotamento do referido modelo agrícola esteja no aperfeiçoamento do pacote tecnológico atual com a evolução da utilização da ciência genética, a transgenia, e o aprimoramento nos mecanismos de irrigação. Entretanto, a engenharia genética atual ainda não conseguiu concretizar, por exemplo, a libertação de nossa agricultura da grande dependência hídrica natural ou irrigada e dos fertilizantes químicos.
Ao longo dos últimos seis anos, cerca de quatrocentos especialistas liderados pela FAO estudaram a crise mundial de alimentos e chegaram à conclusão de que o aumento na produção agrícola nos últimos trinta anos, que de fato ocorreu, falhou em melhorar o acesso aos alimentos pelas populações pobres do planeta. Como conseqüência, o estudo sugeriu uma mudança na forma de se praticar a agricultura, incorporando-se práticas sustentáveis e ecologicamente comprometidas, beneficiando pequenos agricultores, cerca de 900 milhões ao redor do mundo, não se limitando à agricultura empresarial. Pode-se chamar isto de Agroecologia, uma agricultura que leva em consideração não apenas a produtividade, mas também o impacto ambiental e social. Argumenta-se que cultivos em pequena escala e a diversificação de culturas seriam capazes de produzir mais alimentos e com muito menos exigência de adubos químicos, especialmente os derivados do petróleo. Estes seriam substituídos paulatinamente pelo uso da compostagem, aumentando a matéria orgânica no solo e capturando carbono da atmosfera, colaborando no combate às alterações climáticas.
É muito provável que não haja nenhum tipo de conflito entre a agricultura empresarial e a agroecologia como estratégias de enfrentamento ao desafio de se ampliar a produção de alimentos. Aliás, o crescimento da população necessariamente exigirá que de uma maneira, de outra, ou ainda, de forma associada, novos recordes de produção sejam alcançados. Mas é evidente que a disponibilidade de recursos naturais é finita e o princípio da sustentabilidade necessariamente deverá ser cada vez mais aplicado em qualquer prática agrícola. A preservação de nossos recursos hídricos através de sua utilização racional e a busca por tecnologias que diminuam a dependência por fertilizantes químicos, especialmente os derivados de combustíveis fósseis, necessariamente farão parte da agricultura contemporânea assim como a conscientização de que população, produção e exploração não poderão continuar a crescer indefinidamente. Evoluindo nossas práticas agrícolas, incorporando novas tecnologias e, de forma definitiva, o conceito da sustentabilidade, certamente poderemos relegar ao esquecimento por mais alguns séculos a famosa profecia, também conhecida como a “Maldição Malthusiana”.
Alexandre Kireeff, com informações da National Geographic
Nenhum comentário:
Postar um comentário