quarta-feira, 15 de julho de 2009
Pão verde e amarelo
Grande parte do pão que consumimos é produzida a partir de farinha feita de trigo importado. Normalmente, compramos o trigo ou sua farinha da Argentina porque o Brasil consome dez milhões e meio de toneladas do grão, mas só produz seis milhões de toneladas. Mais da metade dessa tonelagem já é produzida aqui no Paraná e talvez seja o momento de buscarmos não apenas o aumento de nossa produção, mas auto-suficiência.
Tal reflexão surge em função da surpreendente quebra da safra argentina em cerca de 50% e, mesmo considerando a garantia de fornecimento por nossos vizinhos do Mercosul e a possibilidade de importarmos o grão de outros países, não resta dúvida que podemos experimentar a sensação desconfortável da perspectiva do desabastecimento e da dependência de um fornecedor estrangeiro. Até hoje, nossa auto-suficiência jamais foi alcançada pela dificuldade em produzirmos o cereal a preços internacionalmente competitivos. Isto se deve porque nosso clima não é exatamente o mais adequado e também porque o mercado conta com fornecedores altamente subsidiados, especialmente os do hemisfério norte.
Aliás, historicamente a cultura do trigo tem sido objeto de políticas intervencionistas. Subsídios tanto à exportação quanto à produção do trigo sempre fizeram parte da política agrícola de muitos países preocupados em garantir sua independência alimentar sob qualquer circunstância. Na Inglaterra do séc.XVI, esta obsessão pela auto-suficiência incluía tanto subsidio a exportação, em um evidente estímulo à produção nacional, quanto a proibição radical de se comprar trigo para fins de revenda, como uma tentativa de se evitar a especulação em torno do alimento básico da população inglesa. O eventual atravessador flagrado era, vejam só, condenado a dois meses de prisão em uma primeira infração, há seis meses em caso de reincidência e condenado ao pelourinho e preso por tempo indeterminado, com confisco de todos os seus bens em caso de uma terceira infração. Tudo isso como estratégia para se garantir que o pão chegasse sempre aos lares da Grã Bretanha.
Nos dias de hoje, para atingirmos a auto-suficiência na produção do trigo não resta dúvida de que também precisaremos de políticas específicas, evidentemente adaptadas aos nossos tempos. Certamente podemos abrir mão do pelourinho. Neste sentido, algumas iniciativas absolutamente contemporâneas já estão sendo tomadas tanto pelo governo paranaense quanto pelo governo federal. O Governo do Paraná, por exemplo, irá destinar recursos do Fundo de Desenvolvimento Econômico para complementar o custeio do seguro da cultura na ordem de 15 a 30 % do valor total. Estes percentuais, somados aos 70% já provenientes do governo federal, podem garantir o custeio total do seguro agrícola do trigo. Tal medida certamente estimula o plantio de trigo em nosso estado, pois, segurado, o produtor não estará sujeito a um revés financeiro se houver quebra na produção por adversidade climática. Na mesma esteira, o governo federal tem sinalizado que pretende estimular o plantio do trigo ao anunciar preços mínimos adequados e especialmente quando, mesmo diante do atual cenário, optou por manter a TEC do trigo , evitando uma inconveniente queda nos preços. Entretanto, isto ainda não é o suficiente e é por isso que produzimos apenas um pouco mais da metade de nosso consumo.
Para atingirmos a auto-suficiência necessitamos de um plano abrangente, amparado na decisão política de construirmos nossa independência, que inclua não apenas o apoio e proteção à produção e a comercialização, mas que também inclua o essencial investimento em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias. Necessitamos de um conjunto de medidas que sejam capazes de tornar o Brasil absolutamente imune às quebras de safra da Argentina ou de qualquer outro país e, isto é importante, internacionalmente competitivo a médio prazo.
É claro que ao menos por enquanto poderá se dizer que uma política de incentivo à produção do trigo poderá encarecer o produto internamente, o que seria indesejável. Entretanto, a independência neste caso deve ser vista como uma decisão estratégica, tal qual aquela tomada quando se criou o pró-alcool ou quando se optou por investimentos na prospecção do petróleo ao invés de simplesmente adquirirmos gasolina no mercado internacional, mesmo quando os preços eram convidativos. Hoje, nossa matriz energética é a mais limpa do mundo e em breve, pasmem, o petróleo que será extraído no “Pré Sal” nos tornará não apenas totalmente independentes da importação do petróleo, mas também grandes exportadores o que justifica plenamente a opção estratégica em detrimento da decisão simplesmente analisada pelo ponto de vista econômico.
A decisão que podemos tomar é novamente estratégica. Um amplo debate envolvendo produtores, técnicos, pesquisadores e os Governos Estadual e Federal certamente poderá construir as bases de um plano que tenha como objetivo tornar a produção de trigo brasileira, e em especial a paranaense, capaz de abastecer totalmente o mercado interno em um curto espaço de tempo. Aí então, faça chuva ou faça sol, na Argentina ou em qualquer outro país, passaremos a consumir o verdadeiro pãozinho verde e amarelo, tupiniquim, e não mais o pão de los hermanos, feito de trigo importado do país vizinho.
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