Outra vez. Parece que o tempo passa e as questões agropecuárias permanecem imutáveis, estáticas, repetitivas. Parece que a sensação tão prazerosa de tranqüilidade que o cenário rural de fato nos propicia, milagrosamente consegue promover o impossível, o fisicamente improvável, a materialização do absurdo. Na agropecuária, o tempo pára! Na agropecuária, anualmente, os fatos se repetem, os produtores reafirmam seus problemas, a classe política se levanta inflamada, as lideranças fazem os mais espetaculares discursos. Ano após ano.
Safra após safra, para o desespero de cada agropecuarista, para o tédio absoluto da população e o descrédito cada vez maior perante toda a sociedade. Não podemos mais aceitar este estado de coisas. Não podemos sequer considerar a possibilidade de, mais uma vez, mobilizarmos o setor, a bancada parlamentar, o sistema sindical e as diversas formas de representação para, daqui a um ano, voltarmos a nos reunir, a debater, como que atestar a nossa incompetência, nossa incapacidade de negociação, o desprestígio de nossa representação parlamentar, a ineficiência do governo federal.
Precisamos enfrentar o problema em busca de soluções. Custe o que custar. Porque, a curto prazo, os produtores não mais terão como arcar com custo algum, espoliados, descapitalizados, totalmente à mercê das instituições bancárias, autoras dos acordos paliativos anteriores. A população, a sociedade em sua totalidade, não consegue compreender que atividade misteriosa é esta que é tão poderosa, a ponto de rechear as manchetes de todos os jornais com as espetaculares safras produzidas e, ao mesmo tempo, repetir-se infinitamente em busca de socorro, de ajuda, da esmola política anual.
Na verdade, a agropecuária atual, embelezada sob o codinome agronegócio, está a um passo de se tornar, sob o ponto de vista político, uma nova “indústria”, uma nova “indústria da agropecuária”, com todo o sentido pejorativo similar ao que a expressão “indústria da seca” já carrega conseqüência das soluções apenas parciais de cada ano. Não podemos mais aceitar soluções paliativas! Não podemos mais aceitar que os nossos governos tratem a questão agropecuária sazonalmente, sem construir as soluções definitivas essenciais.
O agropecuarista anualmente se desfaz de patrimônio e estoques, consumindo literalmente sua própria carne, para honrar acordos com as instituições financeiras, estas absolutamente imunes às conseqüências da realidade cambial e da falta de rentabilidade da atividade. Muitos podem se perguntar: “E a super safra? E a produtividade espetacular desta safra?” De fato, colhemos volumes recordes, conseguimos excelentes níveis de produtividade. Entretanto, não foi suficiente para garantir a renda necessária à quitação de compromissos renegociados, fruto de cinco safras frustradas e de uma reversão de relações cambiais, conforme números levantados por um extraordinário trabalho feito pela FAEP.
A realidade é que o que se conseguiu no ano passado foi apenas uma prorrogação do problema e que, em se considerando as taxas de juros aplicadas, contribuiu para o agravamento da situação do produtor endividado. Não foi pior porque as condições climáticas foram extremamente favoráveis. Um caso clássico de “mais sorte do que juízo. "Infelizmente a situação de endividamento do agropecuarista foi construída como conseqüência de um conjunto de fatores absolutamente inéditos. Somou-se à óbvia dificuldade gerada pelas frustrações de safra uma reversão das relações cambiais entre o Dólar e o Real absolutamente imprevisíveis.
Diante desta situação inusitada, diante do ineditismo, precisamos de soluções também inéditas, capazes de se contraporem de maneira eficiente a essas causas do endividamento. Neste caso, a ortodoxia da simples rolagem da dívida não é suficiente: precisamos de soluções heterodoxas, tão heterodoxas quanto foram inéditas as condições que levaram o agropecuarista ao endividamento. O mais importante é que essas soluções sejam definitivas para que nossa atividade supere as dificuldades que enfrenta, para que o agropecuarista se liberte das negociações anuais, para que não se torne refém de políticos, governos e entidades de classe, para que não nos transformemos em uma nova indústria da ineficiência, em uma futura “indústria da crise agropecuária”, eternamente deficitária e submissa.
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